sábado, 1 de janeiro de 2011

A violência contra a mulher e a busca pela maturidade humana (Parte i)

 
 Jerri Almeida


 Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se encontrem seres às vezes cruéis quanto os selvagens?
“Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem, Mas, desde que a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.”

O Livro dos Espíritos – Questão 755.


Caracterização do problema

Conforme dados da Organização Mundial da Saúde, quase metade das mulheres assassinadas são mortas por seus maridos, ex-maridos ou companheiros. Tal violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo. Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), violência contra a mulher é definida como: “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
A lei número 11.340, de 7 de agosto de 2006, também conhecida por Lei Maria da Penha, em seu  Capítulo II, artigo 7ª relaciona algumas formas de violência doméstica contra a mulher. Dentre elas destacamos: I. violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II. violência psicológica, causadora de danos emocionais e diminuição da autoestima, que lhe prejudique o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem e exploração; III. violência sexual, coação que lhe induza a usar ou comercializar a sua sexualidade, que lhe impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force à gravidez, ao matrimônio e ao aborto; IV. Violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, documentos pessoais, bens valores e direitos, bem como seus recursos econômicos.
Para alguns estudiosos das relações sociais, a violência contra a mulher é uma manifestação das relações de poder, historicamente construídas desde as sociedades tribais, onde os homens se auto-afirmavam pelo imperativo da força bruta. Para Roudinesco, é em Aristóteles que se inicia uma “racionalização” da inferioridade feminina e da supremacia do homem que desencadeará uma lógica de dominação do gênero (sexual) masculino na sociedade. Para Aristóteles, o sêmen do homem é soberano pois é nele que está o princípio da forma, ao passo que o da mulher é apenas a “matéria que recebe a forma”. O macho é o ser que gera em outro, enquanto a fêmea gera em si. O homem é ativo e a mulher é passiva, logo, as implicações disso se traduzem para o princípio das relações entre os gêneros sexuais baseado na lógica monárquica do poder “soberano” (sexual e político) do homem.
Apesar dos avanços sociais, essa herança cultural arcaica, consciente ou não, permanece em parte no imaginário masculino. Muitos ainda continuam achando que o melhor jeito de resolver um conflito ou impor-se, é por meio do grito e da força física. A própria forma de educar o filho homem em nossa sociedade, é ressaltando nele o papel masculino da agressividade e da força enquanto elementos “positivos” na configuração da “coragem”.  Assim, o adulto agressivo de hoje, certamente em muitos casos, foi a criança agressiva de ontem que encontrou a própria identidade na agressão.
Nos últimos tempos, acompanhamos os alarmantes casos que se proliferam, de violência cometida contra mulheres. Os agentes agressores, não são estranhos, desconhecidos, mas seus próprios maridos ou companheiros que, diante da crise conjugal, não aceitaram  a ruptura da relação protagonizada pelas esposas.
O que vemos acontecer são processos psicopatológicos, onde não se aceita perder o objeto de poder e de desejo. Na história psíquica dessas criaturas, encontraremos um indivíduo despreparado emocionalmente para a “frustração”. Jamais aguentariam ser “abandonados”, tendo que viver com uma ideia de “rejeição”.
 Há um misto de orgulho exacerbado, possessividade, ciúme obsessivo, baixa autoestima, o que resulta num complexo quadro psíquico de autoafirmação quando se está no controle sobre o outro, nesse caso, a namorada, esposa ou companheira. Diante da separação, que representa um verdadeiro colapso em toda essa estrutura psico-emocional, o desarranjo mental torna-se ainda maior, conduzindo o sujeito a atitudes extremas como matar e matar-se.  
O que para outros indivíduos seria uma situação difícil, mas superável, no caso da separação conjugal para esses sujeitos, torna-se verdadeira obsessão a vingança diante da rejeição quando suas tentativas de recompor o vínculo se tornam, igualmente, frustradas.
Possivelmente, esses sujeitos enquanto crianças, durante o desenvolvimento psico-afetivo, não aprenderam, não foram educados para enfrentar um sentimento fundamental da espécie humana: a frustração. Muitos foram mimados desde o berço, eram tratados como “coitadinhos”!  Acreditamos que isso explica em parte, mas não totalmente, esses comportamentos tão agressivos. Por isso, vamos recorrer a um estudo mais amplo de nossa estrutura instintiva.  

(Obs: Continua na próxima semana)




[1] Escritor e trabalhador espírita. Historiador.

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